quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Usar ou não o computador na educação?

Achei bem interessante essa matéria e vou compartilhar com vocês para reflexão!

The New York Times - 22 de outubro de 2011

Uma escola do Vale do Silício que não computa - Por Matt Richtel

LOS ALTOS, Califórnia - O diretor de tecnologia da eBay envia seus filhos a uma escola de nove salas de aula aqui, bem como os funcionários de gigantes do Vale do Silício como Google, Apple, Yahoo e Hewlett-Packard.
Mas as ferramentas de ensino da escola em questão são tudo menos high-tech: canetas e papel, agulhas de tricô e, ocasionalmente, lama. Não há um computador sequer - eles não são permitidos na sala de aula, e escola ainda franze a testa sobre o seu uso em casa.
Escolas do país têm suprido às pressas suas salas de aula com computadores, e muitos políticos dizem que é tolo fazer o contrário. Mas o ponto de vista contrário pode ser encontrado no epicentro da economia tech, onde alguns pais e educadores têm uma mensagem: computadores e escolas não se misturam.
Esta é a Waldorf School of the Peninsula, uma das cerca de 160 escolas Waldorf no país que com uma filosofia de ensino focada em atividade física e aprendizagem através de tarefas criativas e ‘mão-na-massa’. Àqueles que apoiam essa abordagem dizem que computadores inibem pensamento criativo, o movimento, a interação humana e a atenção.
O método Waldorf tem quase um século de idade, mas sua presença aqui entre os “digiterati” põe em relevo crescente o debate sobre o papel dos computadores na educação.
"Eu fundamentalmente rejeito a noção da necessidade de aparelhos de tecnologia na escola primária", disse Alan Eagle, 50, cuja filha, Andie, é uma das 196 crianças na escola primária Waldorf; seu filho William, 13, está no ensino médio nas proximidades. "A idéia de que um aplicativo em um iPad pode ensinar melhor os meus filhos a ler ou fazer contas é ridícula."
Mr. Eagle sabe um pouco sobre tecnologia: graduou-se em ciência da computação pela Dartmouth e trabalha como executivo de comunicações da Google, onde ele escreveu discursos para o presidente, Eric E. Schmidt. Ele usa um iPad e um smartphone; mas diz que sua filha, uma aluna da quinta série “não sabe usar o Google", e seu filho está apenas aprendendo. (Começando na oitava série, a escola aprova o uso limitado de gadgets.)
Três quartos dos alunos aqui têm os pais com uma conexão de alta tecnologia forte. O Sr. Eagle, como outros pais, não vê contradição: A tecnologia, diz ele, tem o seu tempo e lugar: "Se eu trabalhasse na Miramax e fizesse bons filmes apimentados eu não deixaria meus filhos vê-los até ter 17 anos."
Enquanto outras escolas na região se gabam de suas salas de aula plugadas, a escola Waldorf abraça um olhar simples e retrô: quadros com giz colorido, estantes com enciclopédias, mesas de madeira cheias de cadernos e lápis número 2.
Em uma terça-feira recente, Andie Eagle e sua turma de quinta série exercitaram suas habilidades de tricô: agulhas de madeira se cruzando, fazendo tiras de tecido. É uma atividade que a escola diz que ajuda a desenvolver a solução de problemas, padronização de competências, matemática e coordenação. O objetivo a longo prazo: fazer meias.
No final do corredor, uma professora desafia alunos da terceira série com multiplicação, pedindo-lhes para fingir transformar seus corpos em relâmpagos. Ela pediu-lhes um problema de matemática - quatro vezes cinco - e, em uníssono, gritaram "20" e rapidamente desenhando o número no quadro negro. Uma sala cheia de calculadoras humanas.
Na segunda série, os alunos de pé em um círculo aprendem habilidades de linguagem, repetindo versos depois do professor, ao mesmo tempo, jogando ‘Cinco Marias’. É um exercício que visa sincronizar corpo e cérebro. Aqui, como em outras classes, o dia pode começar com uma recitação ou verso sobre Deus que reflete uma ênfase não-denominacional sobre o divino.
A Professora de Andie, Cathy Waheed, que é uma ex-engenheira de computação, tenta tornar o aprendizado tanto irresistível como altamente tátil. No ano passado, ela ensinou frações fazendo as crianças cortar alimentos - maçãs, quesadillas bolo, - em quartos, metades e oitavos. "Durante três semanas, nós comemos o nosso caminho através de frações", disse ela. "Quando eu fiz frações suficientes de bolo para alimentar a todos, você acha que eu tive atenção deles?"
Alguns especialistas em educação dizem que o impulso para equipar as salas com computadores é injustificado, porque os estudos não mostram claramente que isso leva a melhor pontuação de teste ou outros ganhos mensuráveis.
E a aprendizagem através de frações bolo e tricô é melhor? Para os defensores Waldorf é difícil comparar, em parte porque as escolas privadas que administram não fazem os testes padronizados do ensino fundamental público. Também eles seriam os primeiros a admitir que alunos mais novos podem não pontuar bem nos testes porque, dizem eles, não são orientados desde cedo a uma matemática padronizada ou forçados a ler muito cedo.
Quando perguntado à Associação das Escolas Waldorf sobre a evidência da eficácia das escolas, as pesquisas por um grupo de filiados que mostram que 94 por cento dos estudantes de 2º grau das escolas Waldorf nos Estados Unidos entre 1994 e 2004 freqüentou a faculdade, inclusive instituições de prestígio como Oberlin, Vassar e Berkeley.
É claro, esse número pode não ser surpreendente, dado que estes são alunos de famílias que valorizam a educação o bastante para procurar uma escola privada seletiva, e geralmente têm os meios para pagar por isso. Também é difícil separar os efeitos dos métodos de baixa tecnologia instrucional de outros fatores. Por exemplo: pais de alunos da escola Los Altos dizem que ela atrai grandes professores que passam por treinamento intensivo na abordagem Waldorf, criando um forte senso de missão que pode estar faltando em outras escolas.
Na falta de provas concretas, o debate se resume à subjetividade, a escolha dos pais e uma diferença de opinião sobre um único tema: engajamento. Defensores de equipar as escolas com tecnologia dizem que computadores podem prender a atenção dos alunos e, de fato, que os jovens que forem ‘desmamados’ dos dispositivos eletrônicos não vão sintonizar sem eles.
Ann Flynn, diretor de tecnologia da educação para a Associação Nacional de Conselhos Escolares, que representa os conselhos escolares em todo o país, disse que os computadores são essenciais. "Se as escolas tem acesso às ferramentas e podem comprá-las mas não estão usando essas ferramentas, eles estão enganando nossos filhos", diz Flynn.
Paul Thomas, ex-professor e professor adjunto de educação da Furman University, que já escreveu 12 livros sobre métodos de ensino público, discordou, dizendo que "uma abordagem criteriosa da tecnologia na sala de aula vai sempre beneficiar a aprendizagem."
"Ensinar é uma experiência humana", disse ele. "A tecnologia é mera uma distração quando precisamos é de alfabetização, matemática e pensamento crítico."
E os pais Waldorf argumentam que o envolvimento real vem de grandes mestres, com planos de aula interessantes.
"Engajamento é contato humano, o contato com o professor, o contato com seus pares", disse Pierre Laurent, 50, que trabalha em uma empresa nascente de high-tech e anteriormente trabalhou na Intel e Microsoft. Ele tem três filhos em escolas Waldorf, que tanto impressionou a família, que sua mulher Monica, juntou-se a uma como professora em 2006.
Sobre quem defende a lotação salas de aula com tecnologia dizendo que as crianças precisam de tempo com o computador para competir no mundo moderno, pais Waldorf dão o contra: Para que a pressa, dada a forma como é fácil pegar essas habilidades? "É super fácil. É como aprender a usar pasta de dentes”, disse Eagle. "No Google e todos esses lugares a tecnologia é absolutamente banal de se usar. Não há nenhuma razão para que as crianças não possam descobrir isso quando ficarem mais velhas."
Há também uma abundância pais de alta tecnologia em uma escola Waldorf, em San Francisco e ao norte dela na Escola Greenwood em Mill Valley, que não tem acreditação Waldorf, mas é inspirada por seus princípios.
A Califórnia tem cerca de 40 escolas Waldorf, dando-lhe uma parcela desproporcional - talvez porque o movimento cresceu e tem raízes aqui, disse Lucy Wurtz, que, junto com seu marido, Brad, ajudou a fundar a escola de 2º grau Waldorf em Los Altos, em 2007. Mr. Wurtz é executivo-chefe da Power Assure, que ajuda centros de dados de computador a reduzir seu consumo de energia.
A experiência Waldorf não sai barato: o custo anual no Vale do Silício é de $ 17.750 (cerca de R$ 2.600,00/mês) para a creche até a oitava série e 24.400 dólares (cerca de R$ 3.600,00/mês) para o ensino médio, embora a Sra. Wurtz diga que assistência financeira está disponível.
Ela diz que o pai Waldorf típico, que tem um amplo leque de escolas de elite públicas e privadas para escolher, tende a ser liberal e altamente educado, com opiniões fortes sobre a educação, mas também um conhecimento, que estão prontos para ensinar a seus filhos sobre tecnologia a qual eles têm amplo acesso e suporte em casa.
Os estudantes, entretanto, dizem que não ignoram a tecnologia, nem a descartam. Andie Eagle e seus colegas dizem que, ocasionalmente, assistem a filmes. Uma menina, cujo pai trabalha como engenheiro da Apple, diz que às vezes ele pede a ela para testar os jogos que ele está depurando. Um menino brinca com programas de simulador de vôo nos fins de semana.
Os estudantes dizem que podem se frustrar quando seus pais ou parentes ficam tão entretidos em telefones e outros dispositivos. Aurad Kamkar, 11, disse que recentemente foi visitar os primos e encontrou-se sentado com cinco deles jogando com os seus gadgets, não prestando atenção a ele ou ao outro. Ele começou agitar os braços para eles: "Eu disse: '. Olá pessoal, eu estou aqui'"
Finn Heilig, 10, cujo pai trabalha no Google, diz ele gosta de aprendizagem com caneta e papel - ao invés de em um computador - porque ele pode monitorar seu progresso ao longo dos anos.
"Você pode olhar para trás e ver como sua caligrafia era feia no primeiro grau. Você não pode fazer isso com computadores - todas as letras são as mesmas", disse Finn. "Além disso, se você aprender a escrever em papel, você ainda pode escrever se derramar água sobre o computador ou acabar a luz."